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Entre Guitarras e Ideologias: O Ira!, o Palco e o Debate Político

produtor da banda Ira!

A frase dita pelo produtor da banda Ira!, “Não é show de política, é show de música”, tem ressoado com força no cenário cultural brasileiro e reacendido um antigo debate: qual é o lugar da política na arte? Quando músicos sobem ao palco, eles estão ali apenas para entreter, ou também para expressar pensamentos, ideologias e inquietações que fazem parte da construção da sua identidade artística?

No caso do Ira!, uma banda com mais de 40 anos de estrada, marcada por letras provocativas e uma postura irreverente frente aos padrões da indústria, essa fala do produtor foi recebida com surpresa por parte do público. Para muitos fãs, o Ira! sempre foi político, ainda que nem sempre no sentido partidário. O grupo falou sobre juventude, repressão, injustiça social e liberdade — temas inevitavelmente políticos.

A declaração do produtor veio em meio a críticas direcionadas ao vocalista Nasi, que em apresentações recentes teria feito comentários considerados politizados por parte do público. Como resposta, o produtor tentou afastar qualquer associação direta com manifestações ideológicas durante os shows, reforçando que o foco da banda é a música, não a política.


Banda Ira! (Reprodução/Reprodução)

Mas será que isso é possível?
A ilusão da neutralidade
A ideia de que um show é apenas “de música” e não “de política” parte do princípio de que arte e política podem ser separadas — uma no palco, outra do lado de fora. No entanto, essa separação é, muitas vezes, uma ilusão conveniente. Desde os tempos da Tropicália, da MPB engajada dos anos 60 e 70, e do próprio rock nacional dos anos 80 — onde o Ira! surgiu —, música e política caminham juntas, seja para contestar, provocar ou apenas refletir a sociedade.

Quando um artista opta por “não se posicionar”, isso também é um posicionamento. A ausência de fala pode ser lida como complacência ou como recusa de se envolver em temas espinhosos. Ao dizer que “não é show de política”, o produtor parece tentar preservar o espaço da banda como um ambiente neutro, mas isso ignora o fato de que a história do Ira! é tudo, menos neutra.

O palco como espaço de expressão
O palco é, por natureza, um espaço de expressão. Artistas sobem ali não apenas para cantar canções, mas para criar conexões, provocar sentimentos e, muitas vezes, refletir sobre o mundo ao seu redor. O público não paga apenas por um som bem feito, mas por uma experiência, uma narrativa, uma emoção compartilhada.

Quando Nasi se posiciona, ele está exercendo seu direito enquanto cidadão e artista. O público tem, claro, o direito de não concordar — e até de se incomodar —, mas a tentativa de “despolitizar” o show soa como uma forma de controle, um esforço de tornar a arte inofensiva, domesticada. Isso é especialmente curioso vindo de uma banda que ajudou a moldar o espírito crítico de toda uma geração.

A cobrança seletiva
Vale observar também como essa cobrança por “shows sem política” é muitas vezes seletiva. Certas opiniões são vistas como “politizadas” e outras como “naturais”. Quando um artista fala sobre justiça social, direitos humanos ou critica o governo, é acusado de fazer “panfleto”. Mas quando outro exalta valores conservadores, nacionalismo ou simplesmente evita qualquer assunto espinhoso, raramente é rotulado como político.

Esse tipo de seletividade revela um incômodo mais profundo com a pluralidade de ideias. Afinal, ninguém se incomoda com política quando ela reflete suas próprias crenças. O problema surge quando a arte confronta, desafia ou propõe reflexões desconfortáveis.

O papel do produtor
O papel do produtor é, sem dúvida, importante: ele organiza, estrutura, viabiliza o espetáculo. Mas cabe a ele também entender que não se pode despolitizar a voz de um artista sem podar sua essência. Tentativas de silenciar ou limitar manifestações em nome de uma suposta “neutralidade” acabam esvaziando a potência do que é apresentado no palco.

Se o Ira! chegou onde chegou, foi justamente por não se calar. Por falar o que pensava. Por transformar indignação em música. Tentar reduzir isso a um simples “show de música” é apagar uma parte fundamental da trajetória da banda.

“Não é show de política, é show de música”, disse o produtor. Mas talvez seja hora de entender que, no Brasil — e no mundo —, todo show é político, mesmo quando tenta não ser. A música não é feita no vácuo. Ela nasce de um tempo, de um lugar, de um conjunto de vivências. E os palcos, mais do que vitrines, devem ser espaços de verdade.

O público pode até discordar. Pode vaiar, pode aplaudir, pode debater. Isso faz parte do jogo democrático. Mas censurar, calar ou reduzir a arte a algo “neutro” é negar seu papel transformador. E talvez esse seja o maior risco de todos.

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